sábado, 12 de dezembro de 2009

Na linha, Clarice Lispector


Imagem: não sei, não. Se alguém souber, avisa.

De quando se engole um peixe rabudo...


Vai, não pense bobagem desse título. Vem dizer que nunca sentiu aquele embrulho no estômago, que aperta o peito, palpita nos ouvidos (uma sirene), faz comprar Activia pensando que é coisa de intestino preso. Não? A sensação é de que um peixe rabudo se rebate ali, dentro da barriga. Tira a gente do sossego, quase pira. A gente se perde, não sabe se vai, se fica, se roda, enrola, buzina, freia, foge - ou se, simplesmente, esquece essa loucura. Mas não passa, desgraça! Ligo pra Clarice, ligação ruim pra caramba essa que a gente faz para o Céu e cai em algum lugar indeterminado. Ela me diz:

"Perder- se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando".

Eu argumento, digo: "não tô procurando nada, só quero me livrar do peixe". Clarice acha que eu tenho, preciso, devo focar em descobrir o porquê desses sentimentos bagunçados, estranhos, ambientalmente incorretos (por causa do peixe...). E ela me explica, com uma voz grossa, por causa da ligação ruim, que querer respostas faz parte do processo, que é preciso pra que eu não encontre e esqueça essas besteiras, pra que eu saia de boa, livre pra mais algumas que a vida pode aprontar. Ela é pirada, maluca - me deixa maluca. E prossegue:

"Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes".

"Mas eu tenho que controlaaaaaar!", eu grito. E o peixe rabudo dá cambalhotas espremendo meu fígado. Mas é quando ela conta de si, com a sinceridade que eu não tenho, que então se faz entender.

"Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E, sobretudo a de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados. Minhas previsões me fechavam o mundo".

Eu ia agradecer, ainda que sem me livrar desse maldito peixe que planta bananeira nas águas ácidas do meu estômago, quando... tuh tuh tuh tuh tuh...




(Com citações de A paixão segundo G.H. - Clarice Lispector)

2 comentários:

Anita Jardim disse...

"Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes"

Talvez a palavra renúncia possa traduzir esse movimento que na verdade é único;
Esse movimento de compreender no ápice da incompreensão, como se fosse um "não" que transcendeu o pensamento e numa ligação tornou-se sim. Com a inocência de uma criança distraída.

Muito bom Patrícia.
Liberdade & Igualdade
Anita Jardim

Anônimo disse...

Também ligo pra Clarisse e é sempre assim, uma compreensão sentida sem a palavra exata. hehe