sábado, 12 de dezembro de 2009

Humanos embutidos


Ilustração: .patrícia


Bilhetes


Babe, o tempo desnuda os pensamentos conforme passa. A esteira é rápida, você é engatado nela e nunca mais sai. Sei que está sentindo o peso inconformado nas costas, em cima dos ombros, um peso de falta de sentido. Pra onde foram as pessoas que te surpreendiam? Sei que quer sair daqui, que o ambiente está com transtorno bipolar e isso estressa. Mas você tem tudo. Uma bela casa, um belo carro, uma mulher dessas que vai ao inferno do teu lado, uma filha que sorri e consome com teus pecados – você nada na pureza da tua imagem refletida na retina dela. E daí?

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Babe, uma mulher assim não deveria se deixar levar tão fácil. Mas a esteira é rápida, você é engatada nela e nunca mais sai. Sei que está sentido o peso inconformado da idade, o calor, a insônia. Mas pare de comprar tua feminilidade. Você tem uma bela casa, um belo carro, um cara que fala futilidades quando chega do trabalho e te relaxa. Você tem as dobras da experiência no canto dos olhos, as rugas da inteligência no coração. Não pense só com o útero. Pra que trocar tanto esse cabelo? Vai, o tempo desnuda os pensamentos - vai desnudar tua aparência, vai deixar tua bolsa pelada, tua cara caída. E terá remédio? A arte gráfica está cada vez mais cara. Continue mudando a embalagem - e esqueça de ser reconhecida por aí.

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Babe, a esteira é rápida, você é engatado nela e nunca mais sai. Você não sabe pra onde ela vai, você não sabe como foi parar aí. Você chora escondido temendo a ignorância, se perdendo na alienação que as notícias não alcançam, perdendo amores, amigos, perfumes e flores que estão indo pela esteira logo atrás de você. Etiquetaram teu peso antes, se deu conta que não vai chegar ao alcance do que vem depois de ti?

...

Babe, te vejo na prateleira do supermercado.

Até.

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