sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Olhos fechados

Perguntei uma vez como ela se sentia quando sentia vontade. Falou-me bem séria, sem sarcasmo. Disse que acontece às vezes. Lembro que levantava a mão quando falava, mostrando os nervos da mão correndo o braço, um movimento rígido, a mão meio aberta com os dedos voltados para cima. Sempre quis perguntar, sempre quis saber o que passava na cabeça de uma pessoa nesse estado. Ela disse que acontecia às vezes quando ficava muito triste. Não sabia dizer por que acontecia. Falou que gradativamente ela ficava em si, sim, em si, pelo menos foi o que compreendi; falava tão naturalmente e com propriedade, apesar das idéias parecerem confusas é difícil dizer que assim estivesse. Quando ela ficava completamente em si não tinha mais controle, ai acontecia.
Na verdade só aconteceu uma vez. Não, pensando bem, acho que foram mais vezes. Ela que não gostava de lembrar, isso penso eu, na verdade nunca ouvi ninguém falar sobre isso, mas os mais próximos sabiam e silêncio. Disse sem demonstrar emoção que quando ficava em si era como um animal, não controlava, não pensava, só sentia, parecia uma espécie de instinto. Não tinha muita explicação, falou apenas que era quando se sentia muito triste, algo que pelo jeito sempre acontecia. Falou que aquilo era parte dela, que tinha nascido com aquilo, que mais hora menos hora iria acontecer. Disse que tinha nascido para isso.
Nessa hora senti no seu rosto uma tristeza como se aquilo que ela conhecia tão bem, da qual falava com tanta naturalidade fosse, na verdade, seu maior temor. Não sei bem se era medo, mas lembro que senti naquela sua face o peso de sua angústia, algo tão pessoal e impregnado, era tão real e sério que fiquei com medo. Fitei seus olhos ali parados olhando o nada, congelados pensando em tudo aquilo. Calei-me e fiquei olhando aqueles seus olhos, querendo não pensar mais naquilo.
Nem ela queria. Foi isso que disse no final, que não queria mais falar daquilo.
“Como um animal”, fiquei pensando.

Até que soube. Toca o telefone.
- É pra você.
Disse alô. Aconteceu. Quando chegaram, era tarde demais.

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