segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A aparição


Era vazio o dia, fluía de uma forma sonolenta e febril, se arrastando ruidosamente ao seu destino. Meu corpo trêmulo se esgueirava entre as paredes da casa, atrás de restos de álcool e pão amanhecido. Não sabia como havia chegado ali, por quanto tempo residira e se em algum momento poderia escapar.

Deitei-me sobre o chão de tacos da sala, enquadrado num losângulo deformado que o sol produzia através da janela. Procurei ali me aquecer da frieza sombria dos outros cômodos. Sentia dores por todos os ossos, retorcia-me em câimbras naquela ruína abandonada e sem mobília até que, anestesiado pelo calor, adormeci.

Passados dias, anos ou instantes, despertei. O manto itinerante do sol na janela já abandonara a habitação, os trapos que possuía eram insuficientes para manter a temperatura em minha carne.

Ainda aturdido tentei levantar, eis que uma aparição pôs-se à minha frente. Tinha uma aura celestial, cabelos dourados e pele cândida, de seus lábios não se propagava som algum, seu corpo não emanava odores, seus olhos eram serenos e ignoravam os meus.

Mal pude me mover, com esforço retrocedi lentamente até o canto, junto às paredes desgastadas. Apavorado e imóvel, acompanhei sua lenta e aterradora aproximação, o sangue latejou por minhas veias até silenciar, imobilizar. O coração entrou em espera, minha respiração se ritmou.

A criatura despiu-me com violência, investigou meu corpo como se procurasse algo que lhe pertencesse, cravou suas garras em minhas costas, dilacerando-me, causando dor e pulsação.

Fiquei sem poder reagir, num transe de flagelo e apreensão, enquanto a aparição ajoelhava-se e colocava meu sexo em sua boca, desintegrando e conduzindo-me em cada movimento a um abismo de escuridão, onde continuarei ...
                                                                          condenado...
                                                                                                  eternamente...  
                                                                                                                             a recordar.

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