terça-feira, 2 de junho de 2009

Passeando pelas metafóricas tribos urbanas

Da série: publicando velharias.

“Já não sinto o gosto,

mas procuro degustar,

me disseram que era bom,

na ‘verdade’

há melhores em seu lugar.

Cadê o pano que sonhei,

ele brilha ao me moldar;

meu antigo pano, hoje opaco,

está num canto a empoeirar.”

Anita Jardim

Imagine um formigueiro, uma assustadora associação de caos e ordem. Metáforas a parte, o cotidiano das grandes metrópoles extrapola os limites da imaginação, saltando aos olhos num realismo cruel e caótico. São cerca de um milhão e cem mil habitantes. Dos quais grande parte vive nas periferias. Moram precariamente, com deficiência em recursos básicas para a vida em uma metrópole. Um contraste permanente para quem chega ao centro da cidade ostentando seu movimentado mercado, e tão logo se depara com os bairros sem calçamento, os ônibus lotados. Contrate que faz da cidade uma perfeita incógnita, semente das incertezas que estão presentes em seus habitantes.

Frente a realidade, nos perguntamos: Guarulhos, uma cidade tão grande e, sem duvidas rica, não tem identidade? Mesmo ainda pairando em nossas mentes essa duvida e com ela o desejo de resposta, com toda a certeza este livro não vai responder esta questão, tão pouco este capitulo. Contudo, basta olhar as periferias, ou mesmo, a aparência estética da maior parte da cidade, para nos fazer refletir sobre o dilema de fazer parte deste ambiente tão pouco confortável.

Guarulhos é sem duvida uma periferia, a margem da “confortável” São Paulo, um lugar esquecida pelo poder, abandonado pela cultura – que não sabe se é rural ou urbano, se é moderna ou arcaica - , desprezada pelas pessoas que aqui vivem, que não se sentem parte de toda pobreza, que não se reconhecem nas ruas sem calçamento, nos terrenos abandonados, na falta de sentir falta, no vazio dessa cidade, que carrega a sina de não ser um lugar, mas é apenas o caminho.

A sombra dessa gigante cidade, estão eles. Nossos protagonista mais importante nessa parte do trabalho. Sempre fugindo de alguém, da vida, do futuro. Como se fossem uma hora culpado, outra hora vítimas. E como na Roma antiga vêem as praças fazer política. Uma política passiva, de quem só aprendeu a olhar para seu próprio umbigo, que por contradição, encontra no coletivo o suporte para a realização de seus anseios. Podem ser chamados das mais diferentes formas, jovens, adolescentes, rebeldes, delinqüentes, contudo, essas classificações não dão conta desse fenômeno social de múltiplas manifestações, ações e sentidos.

Talvez a metáfora das tribos urbanos dê conta desse tipo de grupo social. Metáfora aqui entendida como algo que esta em processo de formação, do qual não é possível categorizar. Da mesma forma podemos descrever os jovens de Guarulhos, como algo que não esta pronto e não características homogêneas, mesmo sendo possível prever, contudo, que não são um grupo permanente. Muitos desses jovens presentes hoje nas praças de Guarulhos desaparecerão daqui a alguns anos, assumindo seus respectivos papeis sociais, e não farão mais parte desse grupo.

Os jovens de Guarulhos são a expressão da latente falta de identidade. São indivíduos na busca de respostas para as indagações da vida, mas não aceitam qualquer resposta. Elas só podem ser dadas pela experiência vivida.

Estão nessa noite de Sexta-feira reunidos aos montes na Praça Tereza Cristina, centro de Guarulhos, frente a tradicional Igreja Católica, a mais antiga da cidade. Com toda certeza não vieram a missa. Com roupas pretas e rasgadas, adereços pelo corpo, brincos, piercing’s, tatuagens, o grupo esta mais próximo, ao olhar desavisado, de um culto satânico do que de católicos praticantes. A maior parte deles são céticos quando o assunto é religião, assim como as gerações dos anos 60 e 70 e o movimento de contra-cultura de quem são inspirados. Em Guarulhos eles são, como em muitos lugares, minoria. Contudo, tratando-se de uma cidade gigante como essa, a reunião desses jovens de aparência pouco comum em um mesmo local atrai a atenção de quem não acostumou-se a velos nesta praça todas as sextas-feiras. É realmente um grupo grande pessoas que a primeira vista parecem fazer parte de uma mesmo tribo. Na verdade essa tribo agrega outras pequenas tribos, ou pequenos grupos que têm preferencia musical diferentes, formando uma confusa fragmentação de jovens que apesar de suas diferenças respeitam-se e convivem dividindo as mesmas praças com quem busca proteção, percebendo no outro uma certa familiaridade. Em meio a eles não vemos brigas, nem violência, algo que é esperado por muitos de jovens de aparência rebelde como esses.

A cidade não tem muito espaço para a manifestação desses jovens; mesmo com seus diversos anfiteatros, casas de cultura, bibliotecas, algumas salas de cinema, etc. Toda a estrutura oferecida pelo Estado não é suficiente para a dimensão da cidade, além de serem iniciativas recentes, em meio a uma população condicionada, que esta desacostumada a criar e apreciar a cultura. Nesse sentido os jovens da cidade não costumam freqüentar a oferta cultural que a cidade oferece. Muitos preferem ir para a cidade de São Paulo, outros não têm mesmo interesse.

Preferem à musica Pop do que a popular, carregando em suas roupas não algo que os identifique ideologicamente como a gerações da contra-cultura que tinham um profundo desejo, mesmo que eloqüente, de mudar o mundo. São apenas nomes de bandas, marcas, clichês que mostram-se completamente vazios de sentido, que não dizem o pensam, o que defendem, são apenas objetos de consumo que os transformam não apenas em consumidores, mas também em mercadorias, fabricadas pela moda, pelas revistas e o pelo mercado cultural.

Na busca de reflexão sobre essa situação, a cerca de dois anos minha grande amiga Anita Jardim, que na época era estudante de jornalismo, escrevia algo providencial que ilustra muito bem esta reportagem sobre os jovens de Guarulhos. Durante o tempo que passaram na academia Anita Jardim e este que vos escreve tiveram grande preocupação com as manifestações de rebeldia de setores da sociedade que expressão criticas a estrutura e a cultura social, associado a um profundo desejo de compreensão da sociedade, sobretudo por esses dois estudantes terem sido parte dessas chamadas tribos, que rebelavam-se aos padrões sociais. Em seu texto Jardim compreendia:

“A identidade cultural está ligada às raízes que cada região tem de maneira particular. Quando há uma comunicação em massa que achata e descarta essas particularidades, elas passam a fazer parte de um passado que não se encaixa mais aos novos hábitos. A universalização cultural descarta os valores regionais e impõem uma cultura na qual não temos mais identidade. Os jovens estão se tornando iguais, parecidos na maneira de falar, previsíveis nos distúrbios comportamentais. São marmanjos mimados pela indústria do consumo. Nas competições juvenis os melhores são os mais alienados, são as cabeças menos pensantes e nessa fábrica de ‘ninguens’, quem pensa é maluco, deslocado de uma ‘verdade’ injetada e instalada na sociedade.

Penso no que essas mentes vazias vão deixar para o futuro e concluo com toda a tragicidade do óbvio que ao invés de deixarem o que são, o nada, estão plantando o caos, suicidando nossos velhos e concretizando a decadência cultural.

Somos massificados, bestificados por máquinas que hoje já não se pode apontar e definir, já que não sabemos mais quem são as máquinas. Somos nós? Seres descartáveis, efêmeros programados pelo imperialismo econômico/cultural. Tão descartáveis quanto as embalagens do mcdonald's e as latas de coca-cola.

Como disse Cazuza: ‘Agora vou cantar para os miseráveis...Para as sementes mal plantadas, que já crescem abortadas...Vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...Que estão no mundo e perderam a viagem’.”

Não sei ao certo se Anita Jardim participa da mesmo opinião, ou do mesmo pessimismo nos dias de hoje, quis apenas ilustrar o texto com uma opinião que não fosse minha, que também não é muito otimista, a respeito dos jovens que conheci na cidade de Guarulhos. A verdade é que qualquer relato aqui escrito é por demais superficial e retrato apenas um recorte da realidade. Dessa forma os jovens da cidade de Guarulhos podem parecer com muitos outros de outras cidades do Brasil, ao mesmo tempo pode ser algo extremamente particular ao até mesmo uma percepção precipitada.

Na praça Teraza Cristina conheci Lelo, Willian e Marcelo. Três jovens buscando alguma diversão na cidade. Lelo para de tocar seu violão e simpático conversa sobre o que faziam naquela praça.

Toda semana estamos aqui, diz ele. E completa – Sempre na Sexta-feira.

Pergunto por que?

No final de semana a pessoal vai para outros lugares.

Segundo Lelo a cidade não tem nenhum clube, danceteria ou bares que reúnem aqueles jovens. Outras pessoas concordam, dizendo que Guarullhos não tem nada de diversão para os jovens, alguns deles vão para São Paulo no final de semana, outros ficam em casa ou encontram ocupações alternativas, de festa de amigos, reuniões informais, etc. Lelo insiste:

- O lugar que você vai encontrar mais jovens reunidos é aqui, na Sexta-feira.

Wilian e Marcelo falam menos, preocupados com as meninas que passam pela praça o grupo revela por que estão ali sem ter muito o que fazer. A diversão desses jovens, além de flertar com as garotas, é beber, ouvir musica, fumar, distrair-se. Nosso amigo Willian critica Marcelo:

- Como pode cara, você trabalho 12 horas por dia, isso é escravidão.

Marcelo não responde. Com certeza não trabalha por que quer. Willian diz que não quer trabalhar, acha “maluquice”.

Góticos, punk’s, rastafaris, hippies, metaleiros, straight egde’s, stakeitistas. As tribos urbanas de Guarulhos reúnem todo tipo de pessoa, vem para cá aqueles que moram na periferia, os mais pobres, e também jovens de classe média. A maioria deles vai precisar trabalhar, mais cedo ou mais tarde. Devem assumir responsabilidades, abdicando um pouco da diversão, fato que faz desse movimento inconstante.

[acaba aqui, texto de 2003]

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