terça-feira, 14 de abril de 2009

Você mora mal...

Você mora mal. Não tem móveis, os que têm estão caindo aos pedaços, a geladeira dá choque, o fogão só funciona uma boca, é foda cozinhar assim. Além de ter que fazer primeiro o feijão, depois o arroz, por ultimo a mistura (de vez enquando tem mistura, geralmente é ovo frito), as panelas saem todas pretas, fogo amarelo do caralho.

Dois cômodos. Tudo amontoado, uma zona: prato no chão com resto de comida, copos de extrato de tomate com restinho de café seco. Tudo iluminado por uma lâmpada de 40 watts.

Durmo no chão. Quer dizer, em um colchão bem fininho, doem as costas. Coloco o colchão no chão só à noite, se não não dá pra andar em casa.

A louça ta suja há uma semana, maior preguiça de lavar, mas hoje prometi a mim mesmo que vou fazê-lo, sem falta. Apesar de ter prometido isso ontem, antes de ontem, de ontem, de ontem...

Tive que fazer hora-extra essa semana inteira, só to o pó. Meu patrão me pegou roubando, estou na mão dele: pra não me entregar a polícia ou me mandar embora, me chantageia. Nunca tocou no assunto, a chantagem acontece com os olhares e pedidos, ou melhor, as ordens: “você vai trabalhar até as nove, o Douglas faltou”. Meu horário de sair é às seis. Entendo o recado e obedeço. Fazer o quê? Não posso ser despedido, tem o aluguel pra pagar e a porra da TV de 29. Meu, é ridículo isso, durmo no chão, entretanto, tenho uma TV de 29. Comprei em 12 vezes sem entrada, só paguei uma parcela; faz 5 meses que chega cobrança. Só abri um envelope, os outros tão tudo jogados, no fim faço uma coleção: “Sr. Fulano de Tal, até a presente data, não acusamos o pagamento... Caso o tenha efetuado, favor desconsiderar essa correspondência” Nunca vou pagar, que se fôda!

Apesar das chantagens, meu chefe me presenteou hoje. Me deu uma mochila, ta boa ainda, tem uma alça estranha, tipo um cinto, que passa na cintura; dizem que serve pra ajudar a arrumar a postura. Coloquei o negócio nas costas, passei o cinto e percebi como estou gordo: fiquei igualzinho ao meu colchão amarrado. Ah, de dia eu amarro o colchão, se não não dá pra andar dentro de casa. Às vezes quero pegar uma coisa e o colchão ta no caminho, antes eu ignorava e pisava nele, até que um dia eu tinha pisado na merda e sujei o lençol, não tive coragem de lavar, joguei fora, maior prejô, só tinha três lençóis, joguei um fora, putz, era o melhor...

Nossa estou olhando para mim mesmo de mochila, a cinta aperta minha barriga e as banhas saltam. Preciso fazer exercícios, preciso. Um dia eu faço. Apesar da má impressão, fui embora com a mochila daquele jeito mesmo, vi que tinha um monte de gente olhando, mas não vi ninguém rindo.

To voltando pra casa a pé. Daqui uns 50 minutos chego lá. O foda é que começou a chover, meu óculos ta todo embaçado, uma par de gotinhas tão cobrindo minha visão. Pensei em parar e esperar a chuva cessar, mas fui embora. Qual é a diferença? Se molhar na merda que estou, não é nada, quem sabe não lavo a alma. Se não lavar a alma, o corpo vai ensopar. Mas ta bom é assim mesmo... O ruim é que comecei a espirrar pra cacete. Amanhã roubo meu chefe de novo, daí volto de buzão.

por: Wagner Pereira de Almeira (Covero)

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