segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Da pós-qualquer era


imagem: .patrícia
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Ela sofria de uma gripe que não passava. Bebia ao leite, limão e mel, para acalmar as maléficas reagidas do corpo. Bebia com doses ridículas de crença nos pensamentos positivos, uma receita infalível de orações ensinadas pela avó por parte do pai. Ela sempre foi feia. Enrustida de dores fingidas. Ela era tão estúpida quanto a sua imagem vazia no espelho. Sempre sorri para que ela morresse.
Era novembro quando menti. Ela mentiu que foi em novembro. Ela sempre mente. Agora, estava doente e esquecida.
Desci escadarias, paguei entradas de cinema, paguei comida chinesa. Paguei com a cara o preço da vontade que ela tinha de tirar com a minha. Rompi o limite para que ela dormisse como se o vento fosse um perfume adocicado inebriante de algum sonífero. Aprendi a gostar de goiabada com queijo. Aprendi a esperar madrugada adentro. Aprendi a dar em silêncio. Aprendi a conviver com a dúvida do amor dela por mim. Mas aprendi tanto, que me faz tanto bem a feiúra dela quanto a minha própria. Acho que sorrir, eu nunca soube direito.
Quando a engoli, num distante novembro, há quinze anos e nove meses, não imaginava o monstro que regurgitaria.

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