sábado, 20 de setembro de 2008

[...]

- Hélène!

Ele sufocou um grito. As veias estão inchadas, a boca entreaberta. Está dormindo; esqueceu que ia morrer. Sabia-o, há pouco; está agora morrendo e o ignora. Não durma, acorde! Ele se inclinou. Teria desejado tomá-la pelos ombros, sacudi-la, suplicar-lhe. Consegue-se reanimar uma chama que vacila, soprando sobre ela com todas as forças. Mas não existe uma passagem entre minha boca e sua vida; somente ela seria capaz de se erguer de novo a luz. Hélène! Ela ainda tem um nome: não será mais possível chama-la? A respiração sobe com esforço dos pulmões para os lábios, desce rangendo dos lábios para os pulmões, a vida ofega e se esforça, contudo está ainda intacta; permanecerá intacta até o ultimo instante; por que não a emprega você noutra coisa que não seja morrer? Cada pulsar de seu coração a próxima morte. Pare! Seu coração continua a bater, inexorável; quando parar, ela já estará morta; será tarde demais. Pare imediatamente! Pare de morrer!

Ela abriu os olhos; ele a tomou nos braços. Aqueles olhos abertos já não enxergavam! Hélène! Ela já não ouvia.... Algo permanece que não está ainda ausente de si mesmo mas já ausente da terra ausente de mim. Estes olhos são ainda um olhar, um olhar congelado que já não é nenhum olhar. A respiração cessou. Ela disse: estou feliz por você estar aí. Mas eu não estou aqui; sei que alguma coisa está se passando mas não posso presenciá-la. Não está se passando aqui, nem em parte alguma; está além de toda presença. Ela respira ainda uma vez; seus olhos se embaçam; o mundo se desprende dela, desmorona-se; ela contudo, não desliza para fora do mundo; é no seio do mundo que ela se torna esta morta que eu tenho em meus braços. Um ricto distende a comissura de seus lábios. Não há mais olhar. Ele baixou as pálpebras sobre os olhos inertes. Rosto amado, corpo amado. Era sua testa, eram seus lábios. Você me deixou. Mas eu ainda posso amar sua ausência; ela ainda conserva sua imagem, está aqui presente nesta forma imóvel. Fique! Fique comigo....

[...]

por: Simone de Beauvoir, em O Sangue dos Outros, 1945

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