
O depois não existe. As coisas destruídas não existem mais. As que ainda falta inventar, sim. Existem na gente. Às vezes faltam por si só. Às vezes fazem faltar – fazem falta. Deixo tudo para a última hora. Essas coisas que existem ficam escondidas, sabe. Onde? O lugar é famoso por ter o necessário. Um caos vulgar e desregrado. Terrível por não ter passado, sem culpas. Bêbado de negação. Uma negação pura. Invenção. Ali, o medo serve de fronteira somente para o tempo - uma criança chorona e desgraçada - que apanha do ócio, Senhor da dignidade. O trabalho é pouco mais que mera coincidência. Serve só para acompanhar idéias. Esse Estado de Inconsciência (seja lá o que isso pode significar) é o fantástico mundo da Procrastinação. Que me ferra sobre qualquer responsabilidade. É um paraíso...
O problema é que não posso viver nele. Vira o inferno essa vidinha mais ou menos. Tenho que ser eu, e o azar da falta de ação. É complicado ter que ir em frente sem o Eu lírico do “Mundo do Adiamento”. Ele explica tudo, dá desculpas. Deixa tudo colorido. A procrastinação é a demência mais charmosa. Uma cena de cinema em película P e B. Cigarrinho na mão. Meia luz. Barbas, bigodes e chapéu de detetive. A procrastinação é um eterno pensar. O exercício máximo da mente. Musculosa e burra – um tesão.

Desoriento para a primeira pessoa dos textos que nunca termino toda a minha falta de mim. A minha primeira pessoa não sou eu. É, em grande parte, outros e mais alguns. Nada por completo. Um padrão autêntico de tentativas. As primeiras pessoas dos textos que eu fracasso são um retiro bandido das vontades que tenho e que passam, como vêm. Eu disse sem respeito aos loucos que admiro, certa vez, que o pó das minhas idéias me leva a viagens adulteradas ao interior do meu corpo. A resposta foi o silêncio dos mortos. Não admiro ninguém. É como um vício preguiçoso, que preciso para SER.

Fico guardando pedacinhos de passado para escrever adiante, como quem guarda momentos que nunca existiram para viver depois - um dia. Eu perco o aço da vontade, diluo a vida ao fogo, como são derretidas colheres de banha para fritar bolinhos de chuva. Usa-se e joga-se fora. Perdi tudo o que não tive. Tudo o que construí. Dos meus desenganos, restaram tijolos invisíveis e motivos cravados no alicerce do nada. Tudo o que resta vem sendo destruído. Eu nego o começo, fico com o final da não-existência. Eu sinto uma falta que nunca falta. Como uma escala inversa - sigo desconhecendo aos poucos o vazio de mim e de minhas promessas.
Sabão, água, esfregão. Apago recados, reprimo o estômago. Nas costas, todo o peso da iniciativa e do abandono. As coisas vão sumindo. Existindo, como eu e você, para serem apagadas. Nada de valores. A inspiração foi ao lixo. As tintas – gastas como clichês insuportáveis. Pincéis varreram os esforços. Quando nasci, bati com a cabeça no joelho. Deveria ter ficado. Hoje, não caminho. Existir para ser apagado. Criado para ser ruínas. Antiguidade para ter valor apenas nas fotografias. Valor histórico. Valor nenhum. Um sonho ausente, desvalorizado.

Só erro. Veias, correntes, mares de sangue comportando resíduos não identificados e uma porção de água muito inferior a 70% formam a falta que me nutre. Cerca de 49 quilos de pura coisa palpável. Eu sei que posso até tentar me livrar dessa liberdade vesga de existir. Mas, nada poupará os ouvidos alheios das histórias explicativas que concedo às minhas próprias retinas. Histórias ilustres do meu Paraíso decaído – em ascensão. Deixa pra lá. Fico de pés firmes na ilusão. Dentro de mim, mais algumas toneladas do que não pesa. Do que não se vende por quilo. Não me falta nada. Eu que falto. Sou ausente como tudo. Numa ausência sadia que mata, lenta e ironicamente.

Como quando o amor acaba...
.
3 comentários:
Daí eu fico aqui, procurando a palavra certa pra dizer...
"maravilhoso e perturbador."
(como aquele comentários de filmes.)
Ramoneeeesssss
Genial o texto.
Postar um comentário