terça-feira, 26 de junho de 2007

Conto # 1

“__Que arrepio, acho que meu corpo está se preparando para a tempestade que vai chegar”. Disse que é assim com todos os seres vivos. O nosso organismo percebe as diferenças de pressão, umidade e temperatura. Acho que é isso. Ela tinha explicado. Parece que o corpo sutilmente se contrai: poros, veias, pelos, cabelos. É uma forma que o ele encontra para se proteger, tão sensível. Ela passa o dia inteiro com a cara nos livros, se diverte com umas coisas esquisitas, ontem estava viajando em uma dança marroquina. Ouve musica dos confins do Quênia e de gente que nunca ouvi falar. Lugares que não devem existir. “Não- lugares”.
Sempre que vai sair com aqueles amigos me convida. Tão desleixada coitada, chega até a ficar feia. Podia se produzir mais. Disse que não precisa porque não é produzível. Não entendi.
- Assistir um filme, depois ficar batendo papo. Vamos?
Não. Bate papo? Prefiro a tv. Pelo menos eu entendo o que os atores dizem, ao contrario do que acontece quando estou com os amigos dela. Da última vez discutiram horas e horas sobre....não me lembro, tinha ficado de canto observando a conversa: "Pensem, meus amigos! Quando se tenta livrar alguém do fracasso, você também o livra do sucesso, da vitória, da autonomia! É obvio" Estardalhaço... todos falam ao mesmo tempo. Droga! Perdi Friends!
Às vezes ela fica um pouco irritada e pede para eu abaixar o volume da tv, “só um pouquinho, odeio ter que ouvir a voz desse hipócrita!”. Não sei o que ele tem de hipócrita, é tão perfeito, simpático e informa de tudo que esta acontecendo no mundo...não a entendo. Depois disso fica lendo em voz alta, não sei bem se é para eu ouvir ou se para ela não ouvir a voz do hipócrita. Telefone. Dois toques.”Alô. Vou chamar”.É o namorado.
- Adorei o estilo dele!É genial!
Estava falando do cara que escreveu o livro que ela estava lendo. Genial. Meia hora de elogios eloqüentes. Voltou ao quarto. Quem será que merecia tantos elogios? Diminui o volume da tv. A voz dela foi adentrando a sala e tomando meus ouvidos, lia agora para mim: “O perigo não é mais simplesmente que a história esteja deslizando rumo ao ‘pós-histórico’, mas sim que raça humana esteja deslizando rumo ao vazio, pois...”. Não entendi muita coisa. Parei ali, mesmo porque aquelas palavras não cabiam em mim, ou talvez porque as ultimas bastaram para ficar ecoando em minha cabeça. Eco. Ela explicou que o eco é reflexão mais ou menos clara de um som. Mais ou menos. “Que a raça humana esteja deslizando rumo ao vazio...”. Fiquei olhando fixamente para a tv muda. O impecável, o hipócrita falava, falava, mas eu não mais compreendia mais as palavras, nem mesmo as coloridas imagens imperativas. Ficaram mudas. E as palavras negras impressas no branco, tomaram voz e berravam tentando ser compreendidas. Parei ali mesmo, “deslizando rumo ao vazio”. Meu corpo se contraiu. A tormenta está se formando.Temperatura, pressão: ela tinha explicado. É para se proteger. O céu já não está tão limpo. “Rumo ao vazio”. “Deslizando”. Deslizando, como é sutil essa palavra, tão branda. Por que ele não usou despencando? Já que se tratava de perigo, que despencasse. Imaginei a raça humana, sorridente, feliz, branda, deslizando por caminhos tênues, coloridos, rumo a uma imensidão de vazio. Ia sendo guiadas por palavras virtuais que piscavam no ar, mostrando o caminho. Chegavam ao vazio. Eram engolidos, como que por um buraco negro. Ela explicou, buraco negro engole matéria, engole até luz! Ela deslizaria também? Ela e seus livros e seus amigos? Hipnotizada a raça seguia para o centro. E essa raça ia se fundindo, se transformando em uma massa amorfa e densa. Não havia diferentes, nem melhores, nem piores, nem ricos, nem pobres. Massa. Homogênea. E o humana? Se perdeu no caminho. A massa corria para o fundo. Buraco negro tem fundo? Ela não sabia ao certo, mas disse que haviam descoberto um buraco branco, que expele matéria. Quando um buraco negro encontra um branco existe a remota possibilidade de se voltar no tempo. Tempo. Buraco negro, engole até luz!!!! A luz é branca, ela tinha explicado, ela se decompõe em azul, amarelo, magenta....Fora do ar...Vou mudar de canal. Fora do ar. Agora chove. Meu corpo se contrai...Ela explicou....Aumentei o volume...era uma forma do corpo se proteger.
por Elaine Bandeira

3 comentários:

Sol disse...

Vcs se esqueceram do Patos com H!!!! rsrs... Até tem uns textinhos originais lá, embora a maioria seja texto dos outros (os conhecidos) que a gente colocava pra fazer sentido!


Enfim, mas o texto da Elaine tá oublicado lá tb, hein!!

E essse texto é realmente bom, sinto maior orgulho de tê-lo tempos atrás , no papel, para depos ser postado lá no Patos...



É um texto, como disssemos na época, para ler devagar....

http://www.sopatoscomh.blogspot.com/

Davi disse...

esse eu já tinha lido.
sou fã

valeu catuxa

Anônimo disse...

Sol querida, não esquecemos não. Alias, costumo ler o seu (http://n-a-d-a.blogspot.com) e gosto muito, apesar de fazer algum tempo de não apareço por lá.
Precisamos completar muitas coisas ainda por aqui, como os link´s e os convites aos colaboradores, desde já sinta-se convidada. Adoramos os seus textos.

besos