quarta-feira, 2 de março de 2011

Na parede da lata vazia de cerveja

imagem: .patrícia galelli


Quando volto, mal suporto o corpo. Deito calmamente na cama, sentindo as dores na coluna. O container de papeis lidos, cheio das bocas falastronas, de restos de peles sobre a minha, aperto de mão, beijo de oi, abraço de ai que saudade. Não sou tipo de gente que desanima, mas o estômago ronca como motor de moto antiga reinando para aquecer e os pulmões desassossegam, preguiçosos para compromissos vitais – é quando duas balas de festim atravessam artérias e o coração cala a boca oras sim. Oras.
Penso que beber cerveja é perda de tempo e de. Penso que é só perda de tempo, e que o ganho não é a verdade que sai ou a que entra, mas a verdade que existe no instante, só. E depois passa. Verdades sempre passam.
Cinco latas de cerveja descansam ao lado do guarda-roupa. Esperam a hora da morte. O ápice da existência são os minutinhos que antecedem a morte – vou assassiná-las daqui a sete e despudoradamente jogarei seus corpos de alumínio numa sacola de supermercado, e intencionalmente as abandonarei em frente a minha casa. Penso que mais próximo local do crime, menor suspeita.
Cinco latas de cerveja estão vazias e vão morrer. Só cinco, são o suficiente para as memórias que irão grudadas à ausência de seus interiores. Só isso. Só.
Cinco é um número que não gosto. É por isso que o assassinato não me comove muito. A vida das latas vazias de cerveja é assim mesmo. No carnaval elas são dizimadas, usadas e depois pisadas, depois não têm enterro nem nada. As gentes desatentas da felicidade que bebem só carregam as memórias do que viveram porque esquecem de grudá-las dentro do vazio das latinhas. Memórias são coisas que não se guarda, li no “Vazio da Existência”.
E depois da ressaquinha de nada, tudo continua como se nada nada nada tivesse acontecido. Não lembro de nada. Do que mesmo eu estava falando?

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