domingo, 4 de abril de 2010

Entrevista: Manoel Ricardo de Lima



imagem: divulgação


Manoel Ricardo de Lima, quando senta e cruza as pernas para falar de poesia, lança ao ar o que sabe de um jeito só dele. A construção da linha de pensar é feita com as mãos e a voz falando juntas – para os ouvidos de quem o vê, segue devagar a delicadeza. Movimentos e som desenham o que diz num quadro imaginário logo à frente. Nascido em Parnaíba-PI, Manoel é escritor, crítico literário, poeta e professor. Um tanto de coisas, que nem ele sabe como cabem todas numa vida só.
Publicou Embrulho (7Letras), Falas Inacabadas, com Elida Tessler (Tomo Editorial), Entre Percurso e Vanguarda – alguma poesia de P. Leminski (Annablume), As Mãos (7Letras), outra manhã, com Aníbal Cristobo e Eduardo Frota (Dragão do Mar), As Mãos/ The Hands, com tradução de Sérgio Bessa (Lumme Editor), 55 Começos (Editora da Casa) e quando todos os acidentes acontecem (7Letras).


Patrícia Galelli: Em que momento você sentiu que a Literatura faria parte de sua vida? Qual a intensidade dessa presença?

Manoel Ricardo de Lima: Não sei dizer isso, com precisão. Mas desde menino – por conta das histórias em quadrinhos – entrei em contato com um certo universo de imaginação, que mesmo precário de certa maneira, é muito rico em vários outros desdobramentos. E sempre ouvi muitas histórias e não sei bem porque sempre tive uma atenção dobrada para ouvir histórias, uma atenção que é também distraída, aparentemente, porque tenho uma inquietação constante. E aí, sempre acho que tem a ver um pouco com isso. Quanto à intensidade desta presença nunca consigo estabelecer uma medida. Penso que, como tudo nesta vida, há impasses de amor e ódio (ódio que não deixa de ser também um desajuste amoroso), talvez assim uma presença ausente, uma falta, uma lacuna ou um buraco, para ser mais firme com a imagem. Mas é intenso demais sim, não saberia fazer outra coisa, nem me mover noutro lugar que não numa travessura do pensamento também pela literatura. Mas a literatura é, para mim, um também; ela não mora sozinha por aqui.

Patrícia Galelli: Como foi sua trajetória literária do Piauí a Santa Catarina?

Manoel Ricardo de Lima: Não tenho trajetória literária, ao menos não queria ter. Quero muito mais que leiam o meu trabalho como um percurso de travessia entre várias coisas que me interessam, do poema até a linha, da pintura até a imagem de síntese etc. A saída do Piauí foi uma estratégia de sobrevivência, como as viagens todas para vários lugares, como morar fixo em Fortaleza por um tempo, como ir embora de lá, como ter vindo pra Florianópolis, como desejar muito ir embora daqui agora. Tudo uma questão de sobrevivência, de ventilação, de deriva, para o pensamento, para o corpo, para a alma, para nada, muitas vezes. Meus livros e o meu trabalho não tem a ver diretamente com estas topografias, mas sim, e muito mais, com o deslocamento de qualquer idéia de uma topografia fixa.

Patrícia Galelli: De que forma a academia interfere em ou contribui com suas produções?

Manoel Ricardo de Lima: Já interferiu mais, hoje penso a academia como um lugar estranho, lugar que tem uma gerência de negociata estranhíssima. Mas a forma de tomar um sentido ali, atribuir ao fato de estar nela como um vento ou uma visita, para incomodar a negociata, me é muito agradável. Daí, gosto muito de ser professor, sei que sou professor, e não tem como separar a vida em duas ou três, o que é uma pena, porque deveria ter como, mas não tem. Sempre imaginei ser 15 ou 20 ao mesmo tempo para dar conta de todos os meus desejos e emperros. Mas enfim, o fato é que a leitura crítica que a academia me sugere como proposição vai para o meu trabalho com a mesma força que o meu trabalho entra nas minhas perspectivas por dentro da academia, como uma coisa só, separada, mas um mesmo projeto de atuação política no mundo.

Patrícia Galelli: Escritor de poemas, prosas, ensaios. De que forma você sente cada gênero?

Manoel Ricardo de Lima: O gênero me interessa muito pouco, como tal. O meu problema é com a linha, que vem de um estatuto natural, primitivo, ancestral, e depois entra o livro, como uma dobra plissada. Daí, tanto faz, o que me interessa é como posso me mover por esta linha dobrada e provocar nesta linha uma contaminação de afetos, de formas de fazer e maneiras de mostrar um trabalho. O problema é que nosso país é muito careta, quase inteiramente, e tudo ainda é muito separadinho.

Patrícia Galelli: Você tem medo de errar?

Manoel Ricardo de Lima: Eu sempre prefiro o erro, mais de uma vez até. Em tudo.

Patrícia Galelli: Como você sente o processo que se atravessa entre os rabiscos e a publicação?

Manoel Ricardo de Lima: Ah, isso é o bacana do lance de pensar um trabalho, o sumiço dele como princípio e o que ele se torna quando aparece como objeto. E fica só nisso, o objeto. O que você chama de rabisco some, por completo, apago tudo. E isto é uma alegria, meus trabalhos dependem de uma alegria intensa, minha, para que eles sejam feitos.

Patrícia Galelli: Do que você gostava de brincar quando era criança?

Manoel Ricardo de Lima: Cresci em cidade pequena, daí podia tanto subir em árvore, correr pra todo lugar, jogar futebol na rua em qualquer terreno baldio (o que fiz muito e exageradamente) ou ficar no quarto com aqueles pequenos bonecos de cowboy e meu forte apache imaginando um truque de fuga para outro mundo. À noite, corria num esconde-esconde ou ficava numa conversa frouxa em qualquer banco da pracinha mais próxima com os amigos de infância. Não sei mais deles, nenhum, a infância é de fato uma coisa que ficou lá, quieta, guardada, ela termina de uma vez. E isto muitas vezes me parece muito ruim.

Patrícia Galelli: Algum novo projeto de livro está em desenvolvimento?

Manoel Ricardo de Lima: Sempre há, um ou vários. Um amigo que trabalha com vídeo e artes visuais, o Alexandre Veras, sempre diz que o importante é ter projetos, não importa muito se eles irão se realizar. Então, projeto sempre há, se eles vão existir para os outros, importa muito pouco.

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