...
Viu dois meninos olhando o mar como se a única coisa grande que um dia viram fosse a quantidade de edifícios plantados naquela cidade. Ela nunca passava por ali. Virava a esquina sempre antes, para não encontrar o último cara que enganou. Mas hoje ela não pensou – e as pernas foram por conta. Tinha um certo sorriso na cara, algo meio estranho. Ela não sorria muito e tinha convulsões quando coisas engraçadas aconteciam. Rir significava tosse e ânsia de vômito. Ela evitava.
Havia na mesa, naquela tarde, três opções:
Primeira: Uma corda verde, fina, com o comprimento de mais ou menos 1,20 m e um jacaré feito de miçangas pendurado em uma das pontas. A barriga amarela, olhos negros, sem dentes - um belo chaveiro para uma proposta tão ridícula.
Segunda: Uma faca de cozinha com a lâmina enferrujada. Cabo branco, de marfim falsificado, comprada no maior supermercado da cidade - sugestão de uma moça morena de olhos azuis e peitos grandes. Já havia picado tomates, cebolas e bifes, mas era ambiciosa. (A faca, não a moça).
Terceira: Um maço de cigarros.
Ela caminhava com passos fortes, devia doer o calcanhar de tanto bater os pés. Rápida, não sabia para onde estava indo. Ia. Ela ainda lembrava, muito vagamente, os olhares dos meninos na praia. O mar era insignificante. Era a isca que o sol usava para que mais camarões morressem de câncer de pele. Não fazia o menor sentido. Só de pensar que os garotos haviam passado bloqueador, o coração palpitava. Ela não suportava essa palavra – bloquear, bloqueio, bloqueador, bloqueado – era uma ofensa. Por isso, não entrava no mar desde os sete anos.
A mesa era de madeira velha. Uma toalha de vaquinhas escondia a idade dela. Tudo era velho. Inclusive a vontade, era velha. O compartimento da cozinha, mal iluminado, morto e silencioso, tinha uma parede de cada cor. Uma preta, uma vermelha, uma cinza e a outra verde. Ninguém ficava muito lá. Ninguém agüentava aquele ambiente por mais tempo que o necessário para arrumar alguma coisa, geralmente pão com qualquer outra coisa.
Decidir nunca foi forte dele. Ele morria de dúvidas até para escolher a "qualquer outra coisa" que acompanharia o pão – Margarina? Maionese? Geléia? Banha? – era um sufoco. Baixa estatura, olhos pequenos, porte fraco. Nem a mãe conseguiria mentir que ele, um dia, daria tesão. Sedentário, só o exercício de tentar terminar o único poema que havia começado era o que fazia. Tinha três versos e duas palavras erradas. Uma delas, designava uma doença do esquecimento. Alzheimer, se não me engano. A outra era a palavra "posso" escrita com "ç" – "poço", que era para onde ele ia toda vez que se dizia capaz de tentar o que fosse. Acho que ele não podia.
Na rua, nunca olhava para lado algum. Não era de se estranhar que sempre quase caia. Ela tinha o egocentrismo como religião. Só acreditava nela. Se tivesse que brigar, brigava com si mesma. Se tivesse que amar, humilhava asperamente quem pensava ser. Levava abobrinhas na sacola, tinha o peso necessário para fazer do produto balanços de uma roda gigante. Um erro e as abobrinhas virariam purê de batatas. É, batatas. O exercício de rodar a sacola exigia tamanha concentração e coordenação motora, mas dava prazer.
Um zero e ele, pouca diferença tinham. Ele tinha que escolher. Rodou a mesa. Uma vez, duas. Ficou mais de meia hora dando voltas ao redor da mesa, pacientemente. Calculando, frio e psicótico, o que cada objeto lhe proporcionaria. Deixou os três. Pegou a calculadora HP e fechou os olhos. (3336777). Por duas horas seguidas fez interpretações com esse número. Descobriu que as aranhas são bichos concretistas e que desenvolveram as teias só para não correr risco de perder oportunidades. Isso mudou a vida dele. Havia chegado a hora.
Ela parou. Não por ter chegado aonde fosse. Resolveu encher a cara. O bar era tranqüilo. Paredes de tijolos maciços. Fumaça. Cachaça. Coca-Cola. Ela beirava o precipício. Lembrava das palavras do médico. Não esquecia dos meninos na praia. Tentou recordar a última vez que falou com alguém sobre o que tinha. Esqueceu. Sentou-se na cadeira, a mesa mais escondida – ela, um camaleão. Pediu Vodca. Não tinha. A URSS do seu peito jamais seria a mesma. Pediu para que o garçom escolhesse alguma coisa forte, já que não podia beber. Dormiu esperando.
Meia volta, chegou à mesa, pegou o maço de cigarros e saiu. Arrastando os pés, cabeça baixa, pensativo. Pedia perdão à mãe. Pedia demissão. Não queria mais ser ele, não queria mais que ela fosse ela. Parou no bar. Pediu fósforo emprestado – Nunca havia conseguido ter um isqueiro por mais de dois dias depois de compra-lo, perdia. Era como as borrachas do tempo de escola, sempre desapareciam. (Chegou a construir uma teoria que acusava moscas verdes de as raptarem, mas jamais seguiu adiante com pesquisas). As primeiras cinzas depositou no cinzeiro da mesa ao lado. Optou por morrer lentamente.
Eles jamais se encontraram.
Viu dois meninos olhando o mar como se a única coisa grande que um dia viram fosse a quantidade de edifícios plantados naquela cidade. Ela nunca passava por ali. Virava a esquina sempre antes, para não encontrar o último cara que enganou. Mas hoje ela não pensou – e as pernas foram por conta. Tinha um certo sorriso na cara, algo meio estranho. Ela não sorria muito e tinha convulsões quando coisas engraçadas aconteciam. Rir significava tosse e ânsia de vômito. Ela evitava.
Havia na mesa, naquela tarde, três opções:
Primeira: Uma corda verde, fina, com o comprimento de mais ou menos 1,20 m e um jacaré feito de miçangas pendurado em uma das pontas. A barriga amarela, olhos negros, sem dentes - um belo chaveiro para uma proposta tão ridícula.
Segunda: Uma faca de cozinha com a lâmina enferrujada. Cabo branco, de marfim falsificado, comprada no maior supermercado da cidade - sugestão de uma moça morena de olhos azuis e peitos grandes. Já havia picado tomates, cebolas e bifes, mas era ambiciosa. (A faca, não a moça).
Terceira: Um maço de cigarros.
Ela caminhava com passos fortes, devia doer o calcanhar de tanto bater os pés. Rápida, não sabia para onde estava indo. Ia. Ela ainda lembrava, muito vagamente, os olhares dos meninos na praia. O mar era insignificante. Era a isca que o sol usava para que mais camarões morressem de câncer de pele. Não fazia o menor sentido. Só de pensar que os garotos haviam passado bloqueador, o coração palpitava. Ela não suportava essa palavra – bloquear, bloqueio, bloqueador, bloqueado – era uma ofensa. Por isso, não entrava no mar desde os sete anos.
A mesa era de madeira velha. Uma toalha de vaquinhas escondia a idade dela. Tudo era velho. Inclusive a vontade, era velha. O compartimento da cozinha, mal iluminado, morto e silencioso, tinha uma parede de cada cor. Uma preta, uma vermelha, uma cinza e a outra verde. Ninguém ficava muito lá. Ninguém agüentava aquele ambiente por mais tempo que o necessário para arrumar alguma coisa, geralmente pão com qualquer outra coisa.
Decidir nunca foi forte dele. Ele morria de dúvidas até para escolher a "qualquer outra coisa" que acompanharia o pão – Margarina? Maionese? Geléia? Banha? – era um sufoco. Baixa estatura, olhos pequenos, porte fraco. Nem a mãe conseguiria mentir que ele, um dia, daria tesão. Sedentário, só o exercício de tentar terminar o único poema que havia começado era o que fazia. Tinha três versos e duas palavras erradas. Uma delas, designava uma doença do esquecimento. Alzheimer, se não me engano. A outra era a palavra "posso" escrita com "ç" – "poço", que era para onde ele ia toda vez que se dizia capaz de tentar o que fosse. Acho que ele não podia.
Na rua, nunca olhava para lado algum. Não era de se estranhar que sempre quase caia. Ela tinha o egocentrismo como religião. Só acreditava nela. Se tivesse que brigar, brigava com si mesma. Se tivesse que amar, humilhava asperamente quem pensava ser. Levava abobrinhas na sacola, tinha o peso necessário para fazer do produto balanços de uma roda gigante. Um erro e as abobrinhas virariam purê de batatas. É, batatas. O exercício de rodar a sacola exigia tamanha concentração e coordenação motora, mas dava prazer.
Um zero e ele, pouca diferença tinham. Ele tinha que escolher. Rodou a mesa. Uma vez, duas. Ficou mais de meia hora dando voltas ao redor da mesa, pacientemente. Calculando, frio e psicótico, o que cada objeto lhe proporcionaria. Deixou os três. Pegou a calculadora HP e fechou os olhos. (3336777). Por duas horas seguidas fez interpretações com esse número. Descobriu que as aranhas são bichos concretistas e que desenvolveram as teias só para não correr risco de perder oportunidades. Isso mudou a vida dele. Havia chegado a hora.
Ela parou. Não por ter chegado aonde fosse. Resolveu encher a cara. O bar era tranqüilo. Paredes de tijolos maciços. Fumaça. Cachaça. Coca-Cola. Ela beirava o precipício. Lembrava das palavras do médico. Não esquecia dos meninos na praia. Tentou recordar a última vez que falou com alguém sobre o que tinha. Esqueceu. Sentou-se na cadeira, a mesa mais escondida – ela, um camaleão. Pediu Vodca. Não tinha. A URSS do seu peito jamais seria a mesma. Pediu para que o garçom escolhesse alguma coisa forte, já que não podia beber. Dormiu esperando.
Meia volta, chegou à mesa, pegou o maço de cigarros e saiu. Arrastando os pés, cabeça baixa, pensativo. Pedia perdão à mãe. Pedia demissão. Não queria mais ser ele, não queria mais que ela fosse ela. Parou no bar. Pediu fósforo emprestado – Nunca havia conseguido ter um isqueiro por mais de dois dias depois de compra-lo, perdia. Era como as borrachas do tempo de escola, sempre desapareciam. (Chegou a construir uma teoria que acusava moscas verdes de as raptarem, mas jamais seguiu adiante com pesquisas). As primeiras cinzas depositou no cinzeiro da mesa ao lado. Optou por morrer lentamente.
Eles jamais se encontraram.
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