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terça-feira, 31 de julho de 2007

Hoje

Só não posso esperar esse vento tenso e morto passar. Tenho que correr para alcançar todas as palavras que esqueci de escrever. Talvez ele jamais perceba, mas não é por mim que me invento a inventar. Hoje acordei sem vida. Hoje eu desisti mais uma vez.
A farmácia de perto, nesse hoje escuro, ficou longe. Poucas ruas até lá, mas eu as atravessei exaustivamente. Cansada. Sem olhar para os lados. As ruas não acabavam mais, duas apenas, mas não acabavam. Se passava carros ou não, não importava. Eu desisti mais uma vez. Eu desisti de ver. Eu não olhei.

Um atropelamento.
Dois.

Nove mil duzentos e quarenta sete atropelamentos.
Um foi o meu.

Um fusca vermelho-vinho. Antes fosse um azul-geladeira. Não gostei da cor, mas ao menos combinou com o vermelho do meu sangue. Agora mais escuro depois que encontrou o asfalto negro.

Medo?
Deixo esse vício para ele.
Hoje não importa. Eu desisti mais uma vez.

Hoje. Uma das poucas vezes que não senti a vontade insana de viver, quando realmente estive perdendo a minha vida. Talvez, hoje. Hoje. Hoje. Hoje. Talvez, hoje seja o meu dia.
Logo eu que pensei que fosse morrer de suicídio. Fusca bandido!
Todo mundo pode morrer atropelado. Que coisa mais sem graça!
E logo por um fusca.

Hoje não cheguei à farmácia. Ela é que veio até mim. As prateleiras não perderam os produtos, porque eu não estive lá para derrubá-los. Hoje é um dia feliz.

Hoje os médicos pareciam pessoas interessantes. Continuam parecendo Extraterrestres. Continuo detestando eles, por não serem. Mas estavam mais bonitos.
Um furo no meu braço. Outro furo.
Agulhas, soro.
Drogas.
Furos no meu braço. Olhos pesados.
Acho que eu dormi.
Hoje, talvez, seja o último dia que eu desisti.

Um comentário:

  1. Anônimo4:50 PM

    bandida, para de olhar para o lado, olha pra frente... que eu vou iluminar o caminho com meu abajur metafórico....

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